segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

PSICOPATAS: ELES ESTÃO ENTRE NÓS

TRAGÉDIA:
Lindemberg, com Eloá, e preso, num vídeo de uma rede de tevê, em que aparece com o rosto bastante machucado
O País assistiu chocado à história de jovens ex-namorados que acabou em tragédia. Lindemberg Fernandes Alves, 22 anos, atirou contra a ex-namorada Eloá Pimentel e a amiga dela Nayara Rodrigues, ambas de 15 anos, após um seqüestro que durou 100 horas em Santo André, cidade do ABC paulista.
Eloá morreu. Nayara, atingida no rosto, recebeu alta do hospital na quarta-feira 22. Lindemberg está preso. O caso traz à tona incômodos questionamentos que a humanidade se faz sempre que está diante de situações como essa: como uma pessoa, até então insuspeita, é capaz de cometer um crime tão bárbaro? Personalidades que podem, eventualmente, levar a gestos extremos como o de Lindemberg são mais comuns do que se imagina.e o País assistiu chocado à história de jovens exnamorados que acabou em tragédia.
A psicopatia, termo popular para transtorno de personalidade antissocial, atinge cerca de 4% da população (3% de homens e 1% de mulheres), segundo a classificação americana de transtornos mentais - sendo assim, um em cada 25 brasileiros enquadra-se nesse perfil. Isso não significa, é claro, que todos são assassinos em potencial. Mas, para a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, Lindemberg apresenta todas as características de psicopata. "Já está na hora de a sociedade aceitar que há indivíduos que nascem com má índole", afirma a psiquiatra, que lança na segunda-feira 27 o livro Mentes perigosas - o psicopata mora ao lado.
Os graus de psicopatia variam do mais leve, como pequenos delitos e mentiras recorrentes, ao mais grave, que seriam os assassinatos e grandes golpes financeiros. As pessoas com perfil psicopático estão espalhadas em diferentes esferas do cotidiano, no trabalho, nas relações sociais, na família, agindo com excesso de razão e escassez de sentimentos. O desafio é identificá-los e saber lidar com eles.

Os psicopatas não se importam de passar por cima de tudo e de todos para alcançar seus objetivos. Mentem, manipulam e não sentem remorso, muito menos culpa. Ao mesmo tempo, são charmosos e simpáticos. Se algo ou alguém ameaça seus planos, tornam-se agressivos. São mestres em inverter o jogo, colocando-se no papel de vítimas. E estão conscientes de todos os seus atos (não entram em delírio, como em outras doenças mentais). "A maioria não mata. Mas é capaz, porém, de sugar emocional e até financeiramente quem cai na conversa deles", diz Ana Beatriz.É a pessoa perfeita, que se mostra encantadora, boa de papo, rapidamente apaixonada - e nunca tem dinheiro para nada ou começa a se mostrar possessiva. Dá desculpas como "sou ciumento porque meu pai batia na minha mãe" ou pede empréstimos ao parceiro para fazer um novo investimento (e sumir com o dinheiro). É o amigo que diz nunca conseguir emprego, que a família não o compreende e que o chefe o persegue. Por isso, depende de conhecidos para ter onde viver - e passar o dia sem fazer nada útil, usufruindo o conforto que os outros possam lhe proporcionar. É o familiar que humilha, agride física e/ ou verbalmente. Diz ser pavio-curto, mas afirma que isso só acontece porque outro o provocou. Nunca admite um erro e faz as pessoas parecerem culpadas e irresponsáveis. É o profissional simpático e amigo de todos - que logo diz que precisa alertar um colega sobre quanto um terceiro funcionário é falso. Faz intrigas e usa informações íntimas que as pessoas lhes confidenciam para manipulá-las. Nesses exemplos, não há derramamento de sangue, mas prejuízos, financeiros e emocionais, que podem se arrastar por toda a vida de quem cai na teia de um psicopata.Os casos que despertam a atenção costumam ser os hediondos, que provam o grau de frieza a que chega um psicopata. No Brasil, há uma série de casos chocantes, como os que ilustram esta reportagem. No mundo, uma das histórias que mais horrorizaram, recentemente, foi protagonizada pelo austríaco Josef Fritzl, acusado de manter a própria filha presa no porão de casa durante 24 anos e de ter sete filhos com ela. Na última semana, dois jornais da Áustria revelaram parte do conteúdo do relatório da avaliação psicológica pela qual Fritzl passou. "Percebi que tinha uma veia para a maldade. Para alguém nascido para ser estuprador, até que agüentei por muito tempo", diz, em um trecho do relatório. Mas a maioria dos psicopatas não comete crimes. Prestar atenção no comportamento de algumas pessoas quando notar informações incoerentes ou superficiais é uma forma de se preservar. Desconfiar daqueles que são interessantes e parecem ter uma vida ou currículo fantásticos também. "Eles buscam a vulnerabilidade das vítimas. Cheque a história de vida de indivíduos sedutores", diz a psiquiatra Hilda Morano, coordenadora do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Entre os indícios que levam a psiquiatra Ana Beatriz a apontar Lindemberg como um psicopata está a premeditação do crime. "Ele falou para os amigos 'vocês vão ouvir falar de mim esta semana'", lembra Ana Beatriz. Ela vê também traços de egocentrismo no rapaz quando ele repetia no cativeiro ser o "príncipe do gueto". Namorar uma menina tão jovem (quando começaram o relacionamento, Eloá tinha 12 anos e ele 19) demonstraria a necessidade de manipulação.
Há quem arrisque dizer que Lindemberg é dono de um comportamento infantilóide. Até por isso, ele namorava uma menina mais nova. Eloá fazia parte do sonho adolescente de realização - era a namorada bonita que lhe pertencia, assim como a moto. "Ele teve uma crise de auto-afirmação diante da moça. Até então, se considerava o bom", afirma o psiquiatra forense Guido Palomba, presidente da Academia de Medicina de São Paulo. Palomba diz que para provar a Eloá que continuava sendo o bom - e assim reconquistá-la - o jovem aproveitou a situação para se exibir, conversar com a polícia, estender na janela a camisa do time, dar entrevistas à tevê. "Ele não sairia de lá de cabeça baixa, como um fracassado na frente dela", questiona o psiquiatra.
Está comprovado que o distúrbio na mente dos psicopatas acontece no sistema límbico, parte do cérebro responsável pelas emoções. Nessas pessoas, a atividade cerebral na região funciona menos do que deveria e, por isso, as emoções não afloram. Para elas, não há diferença entre uma cena de um estupro ou de um pôr-do-sol, por exemplo, como comprovou um estudo de dois neurologistas brasileiros, Jorge Moll e Ricardo Oliveira. Voluntários foram submetidos a uma seqüência de cenas, que mesclavam guerras e crianças brincando, entre outras situações.
A racionalidade deles é tamanha que não são pegos em detectores de mentira. Sabem exatamente o que estão fazendo e mentem com naturalidade.Não há tratamento para esses casos. Psicoterapia e psicanálise podem até ensiná-los a manipular com ainda mais maestria, uma vez que aprendem detalhes sobre o comportamento humano. Por outro lado, psicopatas são satisfeitos consigo mesmos por não apresentarem constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais. Descobrir o que ocorre no cérebro deles, além do que já é sabido sobre o sistema límbico, é um passo considerável para abrir frentes de pesquisa que busquem tratamentos.
Psicopatas nascem psicopatas. É importante registrar, porém, que o mundo contemporâneo está repleto de gatilhos para a psicopatia entrar em ação, como a impunidade. "Quando eles sabem que as leis não funcionam, se sentem à vontade para agir como bem entendem", diz Hilda Morano. A internet também se tornou uma porta de acesso fácil e rápida para manipuladores conseguirem seus objetivos e sedutores conquistarem pessoas indefesas. "Para pedófilos, por exemplo, é um trunfo. Eles não precisam se expor se aproximando de uma criança na rua", diz a psiquiatra Ana Beatriz. A atual cultura do "ter" também contribui. "Ela é um estímulo para conseguir um objeto de desejo a qualquer preço", afirma o médico Vladimir Bernik, coordenador da equipe de psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Quando a convivência com um deles for inevitável - como no trabalho, por exemplo -, a solução é se preservar, sem dar detalhes pessoais. Pode parecer exagero. Em muitos casos, até é. Mas, como diz a psiquiatra Ana Beatriz, só assim menos vidas serão dilaceradas.
DIFERENTES PERFIS:
EGOCENTRISMO A pessoa com perfil psicopático passa por cima de tudo - e de qualquer um - para alcançar seus objetivos. É capaz, inclusive, de arquitetar a morte de seus próprios pais e não sentir remorso depois do fato consumado, como fez a jovem e rica Suzane von Richthofen. Em novembro de 2002, ela abriu a porta de sua casa para que o namorado, Daniel, e o irmão dele, Cristian, matassem seus pais, Marísia e Albert, com pancadas de barras de ferro. Depois, foi para um motel. Após o enterro, fez uma reunião com amigos na piscina de casa.
AUSÊNCIA DE CULPA O traço de personalidade que melhor define um psicopata é a ausência de culpa. Exatamente o que demonstrou a empresária Sílvia Calabrese, presa em março, em Goiânia, por maltratar e torturar uma menina de 12 anos que morava com ela. A garota foi encontrada em seu apartamento com os braços acorrentados em uma escada, uma mordaça embebida em pimenta, dedos e dentes quebrados, unhas arrancadas, marcas de ferro quente pelo corpo. Questionada, Sílvia alegou que estava educando a criança e não mostrou nenhum arrependimento.
FRIEZAO psicopata é frio, não sente emoção, é racional ao extremo. Como o ator Guilherme de Pádua, que, após matar a atriz Daniella Perez com golpes de punhal, em dezembro de 1992, foi ao velório prestar solidariedade à mãe, Gloria Perez, e ao marido da vítima, o ator Raul Gazolla. Durante o interrogatório, depois de se entregar, estava calmo e relatou o assassinato sem esboçar reação alguma.
CHARME E SIMPATIA Os psicopatas são sedutores. Adulam e agradam à "vítima", mas mudam radicalmente de comportamento se contrariados. Como a jovem Kelly dos Santos, 19 anos, presa em agosto de 2007, em São Paulo, acusada de estelionato, furto e falsidade ideológica. Kelly se passava por rica e cativava com sua simpatia e desenvoltura para depois furtar jóias, dinheiro, cartões de crédito e talões de cheque. Quando não convencia, era arrogante, fazia escândalo e destratava as pessoas.

Critérios Diagnósticos para Transtorno da Personalidade Anti-Social A. Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios: (1) fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção(2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer.(3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro(4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas(5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia(6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras e dificuldades em manter relacionamentos intimos, apesar da grande facilidade em inicia-los.(7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade. C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos de idade. D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.

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